segunda-feira, abril 03, 2006

Eis o malandro na praça outra vez...


Mais uma vez os Coliseus das principais cidades portuguesas receberam uma série de actuações da Ópera do Malandro.
Com textos baseados na Ópera do Mendigo, de John Gay, e na Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, a Ópera do Malandro conta a história do contrabandista Max Overseas, das suas aventuras amorosas e não só.
A obra prima de Chico Buarque foi encenada pela primeira vez em Julho de 1978, quando se assistia a uma maior abertura na sociedade brasileira, e ao início do processo de redemocratização na ditadura militar que se vivia no Brasil. Por coincidência ou não, a Ópera do Malandro decorre na Lapa, Rio de Janeiro, dos anos 40, durante o final da Era Vargas e a Segunda Guerra Mundial. O paralelismo entre as duas épocas fará certamente muito sentido já que em ambos os períodos a ditadura era uma realidade.
A crítica feita na peça é dirigida aos novos burgueses, por contraponto aos que viviam com bastante dificuldade; à corrupção policial, à americanização do país, etc.

Mais concretamente à Ópera que nos foi trazida, o elenco conta com certa de 20 actores que acumulam também as funções de cantores e bailarinos, e uma orquestra de mais de 10 elementos. As personagens dividem se sobretudo entre contrabandistas e prostitutas.
O elenco que veio a Portugal desta vez, sofreu algumas mudanças em relação ao que nos trouxe o espectáculo em 2005. Um novo Max Overseas (Cláudio Lins em vez de Alexandre Schumacher), um novo Fernandes de Duran (Nuno Leal Maia no lugar Mauro Mendonça) e uma nova Vitória (Lucinha Lins em vez de Selma Reis).
Se a última a escolha foi a melhor, já que Lucinha Lins personifica de uma maneira irrepreensivel a mãe de Teresinha, protagonizando alguns dos melhores momentos do espectáculo, com as músicas Viver do Amor e Uma Canção Desnaturada, a escolha de Cláudio Lins veio desacreditar em muito o nosso malandro, apesar de ao nível da representação o actor não ser muito criticável, a nível da interpretação musical deixa muito a desejar, isto porque, a voz do actor não tem força, nem densidade suficiente para o papel de protagonista.
Em relação a Nuno Leal Maia, a escolha não poderia ter sido mais azarada e só não afecta mais a peça porque a personagem Duran tem um papel secundário na acção e os encenadores tiveram o bom senso de o retirar de algumas das suas interpretações,uma vez que o actor se mostra incapaz de cantar.
Em relação aos outros actores, destaque pela positiva para Alessandra Maestrini (Lúcia) e André Falcão (Barrabás).

A simplicidade dos cenários, que se assemelham a um coliseu romano e são inspirados nos arcos existentes na Lapa Carioca, fazem com que nos concentremos apenas na acção.
Esta acção absorve-nos de uma maneira tal, quer pela história, quer pela qualidade musical, que nos impele a acompanha-la com um bater de pé sincopado ou até mesmo, para os mais ousados, cantarolando.
O sentimento que predomina durante o espectáculo é que nunca mais queremos que acabe, nunca mais queremos sair daquele cenário carioca. E quando finalmente pensamos “acabou”, o génio de Chico Buarque cria um volte-face no desfecho que deixa as almas mais desprevenidas boquiabertas.
Em suma, a Ópera do Malandro é um dos espetáculos mais intensos e sublimes que já assisti, e por isso... Viva o Malandro.